Desequilíbrio da microbiota intestinal é achado rotineiro em crianças autistas

O diagnóstico de autismo do filho foi preponderante para que o farmacêutico, bioquímico e pós-doutor em microbiologia, Alessandro Silveira, escrevesse o livro “O lado bom das bactérias – O poder invisível que fortalece sua defesa natural para ter uma vida mais feliz e longeva”, que está sendo lançado pela Editora Gente. A descoberta do transtorno de Vitor Hugo e seus desdobramentos foram responsáveis pela primeira quebra de paradigma experimentada por Silveira que foi seguida por muitas outras (como o enfoque maior no poder positivo das bactérias) e que culminou na elaboração do livro.

Em uma das primeiras consultas médicas logo após o diagnóstico de autismo do filho, Silveira foi alertado por uma médica que os parâmetros a partir dos quais ele deveria pensar sobre seu filho deveriam ser diferentes. Vitor Hugo viveria outros padrões de felicidade e Silveira deveria entender e aceitar essa condição para não se frustrar. “Só que minha área de atuação é medicina diagnóstica. Eu estava habituado com os padrões e estes me davam certezas e resultados confiáveis. Para quem estava acostumado com o pensamento linear era aterrorizante pensar em deixar os padrões de lado”, relata.

O que Silveira não imaginava é que este seria o primeiro passo de uma vida fora de padrões. Quando começou a se deparar com um grande aumento de publicações em revistas científicas renomadas demonstrando o papel das bactérias intestinais nas manifestações de crianças autistas, ele mudou o foco de seu objeto de estudo. “Eu, que venho de uma linha de antibiose, ou seja, de que é necessário matar as bactérias, percebi que nestes microrganismos pode estar a solução do nosso problema”, afirma.

De acordo com o pós-doutor em microbiologia, o diagnóstico e o tratamento do Transtorno de Espectro Autista (TEA) deve ser buscado na medicina funcional e integrativa, tendo ciência de que as abordagens precisam ser cada vez mais complementares. Nesse sentido, deve-se procurar além do auxílio da médicos, o apoio de outros especialistas, tais como fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e nutricionistas.

O aspecto relacionado à nutrição vem se mostrando cada vez mais importante para a melhora do quadro de autismo, porque alimentos saudáveis tornam a microbiota intestinal mais resistente a infeção por doenças. “Hoje é lícito afirmar que temos padrões intestinais bem estabelecidos em autistas. O desequilíbrio da microbiota intestinal (disbiose) é um achado rotineiro”, explica o pós-doutor em microbiologia. De acordo com Silveira, há evidências científicas robustas de que é possível diminuir as manifestações clínicas da criança com autismo e assim melhorar sua qualidade de vida modificando a alimentação e corrigindo a disbiose. “Alguns estudos demonstram que a intervenção externa, como no uso de probióticos auxilia na terapêutica de autistas. Até mesmo o transplante de fezes tem sido utilizado em alguns países”, destaca.

Silveira relata que tinha ciência de que o comportamento e crises – muitas vezes agressivas – daquele com TEA é estimulado por gatilhos. “No entanto, eu não sabia identificá-los no meu filho e passei a estudar para entender como eu poderia contribuir com alguma informação a fim de beneficiá-lo”, conta. Silveira detectou que seu filho apresentava um gatilho associado à alimentação. “Doces sempre foram consumidos de forma compulsiva.  Ele comia os piores alimentos quando não conhecíamos os segredos de uma microbiota saudável e ainda não sabíamos como é importante usarmos as ferramentas que temos em mãos”, afirma.

Conforme o bioquímico, o açúcar traz uma sensação momentânea de saciedade e felicidade tão grande que leva a pessoa a consumir mais do alimento como forma compensatória. A substância, porém, explica Silveira, beneficia uma população de bactérias nocivas que acabam enfraquecendo o intestino, desencadeando um processo inflamatório, que via hormônios repercute no sistema nervoso central. “Os neurologistas estão falando cada vez mais sobre isso, sendo impossível atualmente dissociar o sistema nervoso da alimentação”, explica.

Nesse sentido, Silveira passou a cuidar da alimentação e da saúde intestinal de seu filho e obteve resultados satisfatórios. “Hoje, o Victor tem acompanhamento periódico com nutricionista e mapeia a sua microbiota intestinal anualmente”, diz. Conforme o pós-doutor em microbiologia, foram adotadas estratégias alimentares simples, com algumas suplementações, que auxiliaram na melhora de sua qualidade de vida.

Não apenas crianças diagnosticadas com TEA podem se beneficiar da boa alimentação. Em seu livro Silveira relata o caso do sr. Werner, empresário, 62 anos de idade, e recém-graduado em biomedicina, seu ex-aluno. Em 2012, sr. Werner foi diagnosticado com Síndrome de Asperger, um estado do TEA e percebeu que muitos de seus comportamentos antissociais e de hipersensibilidade estavam relacionados à alimentação. Por exemplo, ao recordar o período de adolescência, o empresário notou que costumava ingerir muito achocolatado e cachorro-quente e que passava os dias isolado e sem energia.

Realizando um tratamento alternativo, sr. Werner passou a analisar e controlar as substâncias presentes em seu organismo, através das dietas, complementos vitamínicos, e alimentação regrada, com uma dieta sem glúten, sem lactose, evitando soja e açúcar Além disso, toma prebióticos e probióticos, porque descobriu que é preciso alimentar as bactérias boas do intestino. Monitora ainda regularmente sua microbiota intestinal através de exames de sequenciamento genético. Como resultado, o empresário diz não ter mais repulsa ao toque, aceitando bem mudanças nas rotinas, tornando-se mais sociável, mais empático e menos ansioso. Apresentou ainda melhora no sistema imunológico, com menos gripe e inflamações.

Segundo o bioquímico, podem ter contribuído para o desequilíbrio da microbiota e consequentemente o transtorno de sr. Werner o fato de nos seus primeiros dez anos de vida ter tido muito contato com chumbo, mercúrio e formicida, através de sua mãe, que trabalhou, antes de seu nascimento, em uma retífica de motores. Além disso, o uso excessivo de antibióticos para tratar uma pneumonia e outras infecções de repetição agravaram seu estado, pois hoje sr. Werner sabe que seu comportamento resulta de uma síndrome multifatorial, caótica, dos sistemas digestivo, imunológico e nervoso.

Por fim, o pós-doutor em microbiologia ressalta a importância do cuidado da microbiota intestinal para mitigar e tratar problemas relacionados ao cérebro. Nesse sentindo, a boa alimentação, a ingestão de prebióticos e probióticos e até mesmo terapêuticas pouco usuais (no Brasil) como transplante de fezes podem ajudar. Conforme Silveira, os exemplos de seu filho e sr. Werner são provas disso.

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