São Sebastião: verticalizar orla marítima pode gerar mais problemas 

Barra do Sahy © Rovena Rosa/Agência Brasil

Depois das  fortes chuvas no litoral norte paulista, que provocaram a morte de pelo menos 65 pessoas, o Poder Público começou a discutir soluções para abrigar as famílias que perderam suas moradias em São Sebastião, no litoral norte, a cidade mais atingida pela tragédia. 

No último fim de semana, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou que a habitação para essas populações que vivem em áreas de risco é uma das prioridades do atual governo. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se comprometeu com a questão habitacional. No extra-teto, chamado waiver, o recurso que mais cresceu foi para o setor. São R$ 10,5 bilhões. Terão prioridade aqui as regiões de risco e o litoral”, disse Alckmin, após visita a São Sebastião.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, informou na semana passada, também em visita à região, que busca soluções para que novas moradias possam ser construídas na cidade, que enfrenta problemas de falta de terrenos planos e seguros. No último sábado (25), ele publicou no Diário Oficial a desapropriação de uma área particular, de mais de 10 mil metros quadrados, para a construção de moradias populares.

“Já estávamos trabalhando em um plano de habitação para todo o litoral paulista e isso envolve também a desmobilização de palafitas na Baixada Santista. Temos agora essa urgência e, com a prefeitura de São Sebastião, estamos viabilizando áreas para serem transferidas à CDHU [Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo], para que a gente possa iniciar projetos habitacionais em áreas seguras, fora de áreas de risco”, disse o governador.

Outra alternativa em análise, a fim de solucionar o problema da falta de áreas planas para a construção de moradias adequadas em São Sebastião, é a verticalização urbana, ou seja, aumentar a altura dos prédios na cidade. “Se temos poucas áreas disponíveis, é preciso aproveitar ao máximo essas áreas. Estamos discutindo a flexibilização de gabarito para a construção em áreas seguras. Hoje, temos a possibilidade de construir até 9 metros [de altura] e queremos ver se conseguimos chegar a até 15 metros. Então, teríamos condição de, em uma mesma área, aproveitar mais o terreno”, afirmou na ocasião.

A medida, no entanto, não agrada a especialistas que foram consultados pela Agência Brasil. Para o arquiteto e urbanista Anderson Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a verticalização em orla marítima pode gerar mais problemas para a cidade. “A verticalização em orla marítima é o padrão que temos desde a construção de Ipanema e Copacabana. E em alguns lugares, principalmente em São Sebastião, onde a faixa urbanizável é estreita e muito próxima às praias, isso pode prejudicar muito a qualidade paisagística. Uma verticalização inadequada, excessiva e descontrolada, em vez de ser solução, pode gerar mais problemas. Isso tem que ser feito com muito cuidado”, afirmou. Segundo Nakano, a medida pode sobrecarregar o espaço urbano, já que as ruas e vias em São Sebastião são muito estreitas.

A geógrafa Ana Paula Ichii Folador alerta que outro problema da verticalização pode ser o aumento da especulação imobiliária na região litorânea. “Acredito que [a verticalização] pode ser uma alternativa para abrigar os que perderam suas moradias, acho que as pessoas terem um lugar seguro para morar é prioridade, e isso pode ser feito com planejamento para que não altere tanto a paisagem. Porém, a verdade é que essa possibilidade pode abrir brecha para a construção de prédios destinados ao turismo, o que só vai aumentar a especulação imobiliária”, disse.

Ana Paula acrescenta que a verticalização também pode agravar outras questões, como as ambientais e “de sobrecarga de resíduos e de energia, que já são um problema ali”.

“Existem mansões sem saneamento básico em Maresias, por exemplo. Na passagem de ano, por exemplo, faltam água e energia elétrica. E isso aumenta a ocupação em áreas de risco, porque aumenta a demanda de trabalho”, comentou a geógrafa.

De acordo com Anderson Nakano, uma solução melhor para atender ao problema de falta de moradias adequadas em São Sebastião seria utilizar espaços que estão ociosos e até a construção de casas geminadas. “Acho que é preciso pensar em aproveitar os espaços subutilizados que estão perto da praia, às vezes dentro de condomínios fechados e que são terras ociosas. Deve-se também pensar na construção de pequenas vilas horizontais, com casas geminadas, dentro desses condomínios ou ao lado deles. Essa talvez seja uma alternativa melhor”, observou.

O mais importante, defendem os especialistas, é que essas soluções sejam amplamente discutidas com a população local. “O processo de remoção e alocação de moradores, principalmente de baixa renda, precisa ser feito com muito cuidado. Isso não pode ser uma coisa autoritária e impositiva, sem conhecer as necessidades das pessoas. Ás vezes, pegar uma pessoa e colocá-la a 30 quilômetros de distância do local onde mora não vai resolver nada, porque ela já tem uma vida ali”, acrescentou Nakano.

“Acabou de sair um decreto que fala sobre a desapropriação de uma área em local seguro destinada à construção de moradia pra quem perdeu tudo ali na Barra do Sahy. Essa é uma solução sim, mas ela tem que ser constantemente avaliada e trabalhada junto com outras questões. O que as fez ir para lá? O que impede que outras pessoas façam o mesmo? Fiscalizar e retirar as pessoas de lá e deixar por isso mesmo não é uma solução, é tapar o sol com a peneira. Elas irão para outra área de risco”, disse a geógrafa.

Nakano lembra que essa realocação das pessoas precisa também ser feita de forma comunitária. “Talvez seja preciso tentar fazer uma realocação em grupo, porque eles já têm uma rede comunitária e de sobrevivência. Isso tem de ser feito com cuidado e de forma muito participativa. Jogar uma pessoa muito distante do seu local de trabalho, dos parentes e dos amigos, da escola e do posto de saúde que ela costuma utilizar,  acaba não sendo uma solução porque ela acaba voltando para o local de origem e isso acaba se tornando um novo ciclo”, alertou o urbanista.

Moradias provisórias

Enquanto essas discussões avançam, o governo paulista anunciou que pretende construir moradias provisórias para as pessoas que ficaram desabrigadas ou desalojadas em São Sebastião após as chuvas. “Vamos fazer a construção de moradias provisórias [chamadas de vila de passagem]. Vamos construir uma moradia digna, provavelmente geminada, para aproveitar o máximo de área possível. Vamos mobiliar essas moradias e colocar parte dessas pessoas. Se tenho 12 mil metros quadrados [de terreno disponível], farei uma parte de vila de passagem e em outra começo uma construção habitacional”, explicou o governador.

Essas vilas de passagem, segundo Tarcísio, poderão ser viabilizadas “totalmente pela iniciativa privada” e serão permanentes, mas as pessoas viverão nelas de forma transitória. “É uma vila permanente, mas as pessoas não terão a propriedade dessas casas. Elas vão transitar por elas. E aí eu crio um fluxo”, explicou o governador. “Quando a pessoa for para a vila de passagem, ela saberá que o próximo passo é chegar a uma moradia [definitiva]” Uma das empresas que poderá ajudar na construção dessas casas provisórias, adiantou o governador, é a Vale. O governo paulista, no entanto, ainda não deu uma previsão de prazo para que essas casas provisórias sejam construídas e possam ser habitadas. 

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitacional informou que o atendimento imediato às famílias de São Sebastião será feito por meio da oferta de auxílio-moradia. “Outras áreas para novos conjuntos habitacionais nas localidades atingidas estão sendo identificadas para ampliar a oferta de moradias. Também serão disponibilizadas cerca de 150 das 1.500 unidades habitacionais de um empreendimento feito com o apoio da secretaria, em parceria com a União em Bertioga. O conjunto tem entrega programada para os próximos meses”, diz a secretaria em nota.

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