*Mariana Ortega Perez
A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença autoimune que acomete principalmente mulheres entre 30-50 anos, ocasionando dor e inflamação nas articulações das mãos, punhos, joelhos e tornozelos. Se não diagnosticada e tratada adequadamente, leva à incapacidade e comprometimento da qualidade de vida.
Não se sabe ao certo porque a AR ocorre. Habitualmente, o sistema imune tem a capacidade de distinguir o próprio do não-próprio, ou seja, de tolerar os antígenos do hospedeiro (tolerância ao próprio) e responder a antígenos estranhos. No entanto, na AR, há perda da tolerância ao próprio, de forma que o sistema imune começa a reconhecer estruturas do organismo como estranhas e passa a atacar a si mesmo, levando a um processo de inflamação das articulações. Acredita-se que fatores ambientais possam ser gatilhos para o desenvolvimento da doença em pessoas predispostas geneticamente.
Pacientes com AR apresentam vários estágios da doença, desde a fase pré-clínica (em que é detectada apenas a presença de auto-anticorpos no sangue, sem nenhum sintoma), fase precoce (sintomas iniciais e inespecíficos) até a doença já estabelecida. O primeiro ano da doença é considerado decisivo, por ser a janela de oportunidade terapêutica, ou seja, o momento ideal em que a intervenção farmacológica pode frear a cascata de inflamação, evitando dano às articulações e, consequentemente, dores crônicas, sequelas e incapacidade.
A partir do conhecimento de várias interleucinas e citocinas (substâncias produzidas pelas nossas células de defesa) envolvidas no processo inflamatório da artrite reumatoide e, do avanço de tecnologias aplicadas à medicina, foi possível desenvolver medicamentos alvo específicos, os imunobiológicos. Os imunobiológicos são capazes de frear, com bons resultados, a progressão da artrite reumatoide, incluindo os casos em que não houve resposta com o tratamento convencional.
Recentemente, AR ganhou destaque, quando alguns dos seus medicamentos foram estudados em pacientes com COVID-19. Na infecção por coronavírus SARS-CoV-2, pode ocorrer uma reação inflamatória sistêmica (em todo o organismo) e na membrana do alveolo pulmonar, com a presença de moléculas que também participam da inflamação das articulações na AR. Partindo desse conhecimento, alguns imunobiológicos utilizados na AR, como o tocilizumabe, foram incluidos nos estudos de pacientes com COVID-19.
O diagnóstico precoce ainda é um grande desafio na AR, por vários motivos, entre eles o acesso ao reumatologista. Infelizmente, muitos pacientes chegam aos consultórios com anos de doença e perdendo a tal janela de oportunidade já comentada acima.
De todo modo, as pesquisas avançam a cada dia e, no futuro, há a expectativa de que seja possível bloquear o desenvolvimento da doença ainda na fase pré-clínica, isto é, evitar a perda da tolerância imunológica e a produção de auto-anticorpos, na tentativa de reiniciar o sistema imune e reprogramá-lo. Para isso, necessitaremos de inovações nas áreas de genômica e terapia gênica, exames cada vez mais acurados e, é claro, o principal, ampliação do conhecimento, com treinamento de reumatologistas qualificados.
* Mariana Ortega Perez faz parte do corpo médico e especialista da Reumatologia Cobra. Formada em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), Mariana Ortega Perez tem residência em Clínica Médica (PUCSP) e em Reumatologia (Hospital das Clínicas, FMUSP). Atuou como preceptora e professora na PUCSP e tem ampla experiência no tratamento de pacientes com doenças reumáticas, assim como na área de ensino e pesquisa. Atualmente, desenvolve seu doutorado na Faculdade de Medicina da USP, com foco em artrite reumatoide, osteoporose e metabolismo ósseo.