Em 2018 a ONU Mulheres apontou que apenas 17% dos programadores no mundo eram do sexo feminino. Em 2019, o programa Youth Spark, da Microsoft, apontou que, no Brasil, somente 18% dos graduados em ciência da computação e 25% dos empregados em áreas técnicas de tecnologia da informação eram mulheres. E não é que elas não tenham interesse nesse mercado: de acordo com a Associação Telecentro de Informação e Negócio (ATN), 36.300 mulheres formadas na área buscavam colocação no mercado em 2019.
No mundo das startups o cenário não é diferente. Se, em 2012, o Brasil contava com 2500 startups, o número atual representa um salto significativo: 15 mil empresas do tipo funcionam hoje no país. De acordo com a Associação Brasileira de Startups, apenas 12,6% delas são lideradas por mulheres. Outros fatos ainda chamam a atenção. Dessa porcentagem, elas se definem: 66,7% brancas, 25,8% pardas/negras e 2,4% amarelas.
A presença feminina na área de tecnologia é baixa, mas certamente há uma questão cultural e histórica por trás dessa realidade. As mulheres já desempenharam papéis bem importantes na área de tecnologia. O próprio Google relembrou isso em um dos últimos Dia das Mulheres na campanha #sópodiasermulher, em que ressalta que as mulheres têm participação em importantes lançamentos tecnológicos, como o GPS e o Wi-fFi.
Ao pesquisar para entender os motivos por trás desse desequilíbrio e os impactos que essa situação traz para o setor, é possível descobrir que até 1984 o número de mulheres nos cursos de computação era relativamente proporcional ao de homens, quase meio a meio, segundo a National Science Foundation e a American Bar Association.
Porém, alguma coisa aconteceu a partir desse ano, que fez essa proporção cair pela metade nos 30 anos seguintes – ainda que esse percentual tenha aumentado nos outros cursos. E naturalmente, quanto menor a quantidade de mulheres se formando em ciência da computação, menor é presença desse gênero no mercado – ainda que não seja obrigatório ter formação em ciências da computação para trabalhar em tecnologia.
Por que a proporção de mulheres em tecnologia caiu tão drasticamente?
Ao que tudo indica, um dos fatores pode ter sido o fato de que nos fins dos anos 1980, durante o boom dos Personal Computers (PCs), o público alvo das campanhas de marketing de marcas líderes, como IBM e Apple, era masculino. Os PCs eram vendidos como se fossem “video-games”, um item que sempre foi considerado “coisa de menino”. Ou seja, “toys for boys”, como se dizia na época.
PCs eram tão distantes do universo feminino que nos anúncios publicitários as mulheres mal apareciam nas imagens. Os homens sempre eram, então, os protagonistas nas propagandas. Em um havia, por exemplo, um menino pedindo para o pai se podia usar o computador. Em outro, aparece um homem num computador e a mulher em segundo plano lavando louça. E, assim, a própria indústria de tecnologia reforçou esse estigma de que tecnologia é um “clube da bolinha” e inibiu a presença das mulheres no segmento.
Quais os impactos disso para as startups de tecnologia?
Talvez até aqui, o fato de a tecnologia ser colocada como uma atividade masculina não pareça lá um grande problema. Mas o ponto “X” da questão é que esse contexto fez surgir um preconceito natural no mercado com relação às mulheres. As decisões no momento de recrutar e contratar profissionais acabam sendo enviesadas e projetos de tecnologia criados por mulheres têm que batalhar mais para receberem investimento.
É o que mostram dados do Distrito Dataminer, unidade de inteligência de mercado, que analisa mais de 12 mil startups brasileiras. Segundo eles, mesmo quando as startups são divididas por setor, não há predominância feminina em nenhum deles. Vale observar também um estudo divulgado pela Pitchbook recentemente e perceber só uma pequena amostra do tamanho do problema: em 2018, as startups de tech lideradas por mulheres receberam apenas 2.7% do capital total investido pelas Venture Capitals.
E esse preconceito, que muitos no mercado ainda têm, pode ser prejudicial para os negócios. Imagine quantas oportunidades de bons investimentos estão sendo perdidas por conta dessa ótica arcaica? Afinal, diversificar portfólio é obrigação de qualquer investidor. Eu, particularmente, acredito que precisamos de diversidade, não meramente baseada em características biológicas, mas, em diversidade de pontos de vistas e opiniões, porque isso sim, é o que pode moldar idéias e mudar o rumo dos negócios.
Comecei como female founder em tecnologia em 2015 e posso dizer que não foi fácil percorrer a trilha até aqui. Sempre me perguntam como é trabalhar em um ambiente primariamente masculino. Confesso que acabei me “acostumando” a essa realidade. No próprio quadro de colaboradores da startup que lidero, a Chiligum, a proporção é de 70% homens e 30% mulheres. Detalhe: só chegamos a essa proporção, por causa da nossa equipe comercial, pois dentro da área de tecnologia, 100% dos colaboradores ainda são homens. É uma batalha a cada processo seletivo mudar esse cenário. Acredite.
Boas iniciativas pretendem mudar o cenário
Diante deste cenário, é importante que as empresas e investidores criem mecanismos que gerem oportunidades para as mulheres. Até mesmo para quem visa apenas o lucro faz sentido. Dados da Fundação Kaufmann mostram que empresas de tecnologia lideradas por mulheres são mais eficientes, com um ROI 35% maior que as lideradas por homens.
Um exemplo de grupo de investidores com essa prioridade em mente é o GVAngels, idealizado por ex-alunos da Fundação Getúlio Vargas. No ano passado, metade dos investimentos feitos pelo grupo tiveram como alvos empreendimentos que contam com pessoas do sexo feminino nos cargos de liderança.
Grupos ainda maiores anunciaram seu apoio à causa. Em 2020, a Microsoft, gigante da tecnologia, investiu em nada menos do que dezoito startups brasileiras lideradas por mulheres, em um programa destinado a elas.
Ainda assim, é preciso reconhecer que, de forma geral, empresas criadas por mulheres recebem menos aportes do que as demais, embora gerem, em média, mais receita (segundo dados do Boston Consulting Group – mais um para confirmar o dado acima). Ao que tudo indica, investir nesses empreendimentos pode ser uma excelente, democrática e rentável ideia.
*Deborah Folloni é founder e CEO da Chiligum Creatives, startup especializada em automação criativa para a produção de artes finais.